A hipocalcemia também conhecida como febre do leite, febre virtular ou paresia puerperal é uma doença metabólica que acomete bovinos, na maioria das vezes ocorre em vacas de alta produção de 48 horas antes do parto, até 72 horas após, com maior frequência imediatamente após o parto.
Possui impacto significativo na produção leiteira, sendo que, em casos graves, pode culminar na morte do animal. Em bovinos, a quantidade de cálcio sérico é mantida entre 8,5 a 10mg/dl (o que equivale a 6g de Ca para um animal de 600kg).
Conforme a gestação avança ocorre uma perda diária de 5 a 7g de cálcio para o feto iniciando 60 dias antes do parto, esta demanda aumenta para 15 a 20g por dia na secreção de colostro aproximadamente 7 dias antes do parto. Quando se inicia a secreção de leite a concentração de cálcio diminui, porém aumenta o volume. No colostro a concentração Ca é de 2,2g/L, enquanto no leite é de 1,3g/L, ou seja, a quantidade de Ca em 9 litros de colostro equivale a todo o Ca iônico presente no sangue. A demanda de cálcio aumenta de forma abrupta e consequentemente demora a liberação e a absorção do mesmo pelo organismo, ocasionando a hipocalcemia.
No organismo da vaca possui muito cálcio presente, porém em sua maioria está nos ossos e dentes, não estando prontamente metabolizável, desta forma, no momento de precisão não se pode contar de imediato com essa reserva devido a reabsorção óssea de cálcio demorar cerca de 24 a 48 horas para ser ativada efetivamente.
Os fatores predisponentes que podem acarretar o distúrbio consistem em animais da raça Jersey, devido ao colostro com maior produção de cálcio e no seu metabolismo menos receptores de dihidroxivitamina no intestino, também o número de lactações devido a reabsorção óssea de cálcio ser diminuída e a produção de leite, quanto maior for a produção maior será a demanda de cálcio.
Na forma subclínica possui ausência de sintomatologia clínica evidente e os valores de cálcio sérico se situam abaixo de 8,5 mg/dL. Na forma clínica da doença pode manifestar-se em diferentes sinais clínicos, sendo o conjunto destes sinais uma maneira de classificar o estágio da doença. Os valores de cálcio sérico se encontram abaixo de 5,5 mg/dL.
No primeiro estágio o animal encontra-se em estação, com dificuldade de se mover e se alimentar, pode-se notar tetania, excitação e tremores musculares, ranger de dentes. Em média uma hora após, caso a mesma não receber tratamento estará progredindo para o segundo estágio onde já estará em decúbito esternal e incapaz de se levantar, apresentando redução da tetania, sonolência e apatia, podendo apresentar a cabeça dobrada para o lado ou o pescoço esticado e cabeça no chão também se observa atonia do trato gastrointestinal, hipotermia (extremidades frias) e depressão da consciência. Essa fase influenciará negativamente na absorção intestinal levando o animal para o terceiro estágio da doença em 1 a 12 horas, onde o animal encontra-se em decúbito lateral com acentuada flacidez da musculatura, hipotermia, bradicardia e pulso impalpável, perda da consciência levando ao coma. Este momento o cálcio plasmático está menor que 4mg/dl, caso este animal não receba tratamento morrerá em poucas horas por parada cardiopulmonar.
O tratamento da enfermidade consiste em aplicação de gluconato de cálcio na dose de 1g cálcio/45 Kg de peso vivo via endovenosa de forma lenta, devido ao seu caráter cardiotóxico. Na prática normalmente é aplicado 500ml a 1litro de cálcio, podendo essa quantidade ser dividida de forma endovenosa e subcutânea, por exemplo: 500ml endovenoso e 200ml subcutâneo. A utilização de drench imediatamente após o parto também consiste em uma estratégia de prevenção e tratamento.
Como prevenção a hipocalcemia é recomendado fornecer para o animal aos 21 dias antes do parto a dieta aniônica, ela tem a função de aumentar as cargas negativas (cloro, enxofre e fósforo) no organismo do animal, que pelo mecanismo compensatório provoca uma acidose metabólica moderada, consequentemente irá aumentar a capacidade de resposta dos tecidos ao paratormônio, aumentando a reabsorção óssea, a absorção intestinal de Ca e reduzindo a excreção renal de Ca, permitindo que o organismo mantenha níveis de cálcio normais na circulação. O monitoramento da eficácia da dieta consiste em avaliação do pH urinário com valores entre 6 e 7. É recomendado fornecer para este animal gramíneas com baixo teor de potássio.
As vacas acometidas por hipocalcemia, tem maior predisposição a ocorrência de enfermidades metabólicas e infecciosas no período de transição, dentre tais doenças, destacam-se as metrites, mastites, retenção de placenta e deslocamento de abomaso. Deste modo é necessário atentar-se ao manejo nutricional das vacas no pré e pós-parto a fim de evitar maiores complicações, principalmente se tratando de animais predisponentes ao desenvolvimento da hipocalcemia, e as doenças causadas como consequência da mesma.
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